O Conclave na Tasca do Armindo
Moita Eirós
No outro dia, queimou um fusível em Espanha e ficámos todos fechados na Tasca do Armindo. Culpa do Almerindo, que andou de volta dele mais de seis meses para instalar umas portas com sensor de movimento. Ainda estavam instaladas há um par de dias quando se deu o fenómeno, que desta vez, não foi no Entroncamento, e acabámos por descobrir que, à falta de electricidade, o raio das portas só abrem por fora.
Já o meu avô insistia que, de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento. Acho que era isto que ele queria dizer. Ficámos ali fechados e o Padre Amilcar, que, para não variar, tomou as rédeas daquele Conclave, decretou que, em vez de sairmos pela janela, abríssemos um quarto de tonel de vinho de missa que o Armindo tinha lá escondido há mais de dez anos e agradecessemos ao Senhor pela boa ventura de estarmos todos vivos.
O Almerindo é que se queixou, que ainda tinha que ir guardar as cabras e as ovelhas, que, desde que o filho foi para Lisboa dar aulas de Religião e Moral, deixou de ter quem o fizesse por ele. Como também não estava para ser o único desmancha prazeres a sair pela janela, foi ajudar o Armindo a procurar pilhas para o rádio, que haviam de estar em alguma parte. Enquanto procuravam e não encontravam, o Padre Amilcar cravou uma torneira na barrica com a destreza de quem já havia aberto mais de um par de tonéis.
Lá encontraram as pilhas e ligaram o rádio. Ficámos a saber mais ou menos o mesmo, tirando que, desta vez, o apagão não tinha sido só dos lados de Castelo do Bode, mas também apanhava Espanha e França, mais umas regiões que se apagaram em torno do Báltico, que dizem que não estiveram relacionadas. Do governo e da protecção civil, nem sinal. Nem sequer dos militares. Ouviu-se dizer que a Leyden falou em ciber-ataque da Rússia e se calou logo, ouvimos o Tony Carreira a cantar a música do Montenegro e depois, o Armindo mudou a estação para os fados, que estava a dar o Vicente da Câmara.
O vinho de missa era de qualidade. Caves Cálem: Porto Branco Velho do bom, aprovado pelo Isaltino. Ao fim de meia dúzia de tragos começámos a especular sobre o próximo Papa, que era assunto que interessava ao patrocinador do conclave, que se queixava do caminho que isto estava a levar e Deus nos livre se elegem o Bispo Vermelho, que é comunista. Eu, como não sou muito entendido em hierarquias da Igreja, fiquei logo a imaginar que um Bispo Vermelho era assim uma espécie de Milhazes de sotaina e a pensar que, se os russos aí vinham, ainda o haveríamos de ver falar sobre isso na televisão.
Na televisão, mas era se a electricidade voltasse, é claro. Entretanto, já o estava a ver, na minha mente, a colocar as culpas do apagão no Putine e a especular sobre a coincidência das zonas afectadas pela falta de energia com uma possível rota a utilizar pela frota russa do Báltico para dar a volta à Europa do Sul sem ser detectada e enfiar as canhoneiras no Mediterrâneo. Guardei para mim a ideia porque, entretanto, o Armindo foi buscar alcoól e uns chouriços e o Almerindo me começou a dar os parabéns pela ideia, do outro dia, de andarmos todos preparados com um canivete no bolso.
Estivémos ali naquilo umas boas seis horas e, quando demos por ela, já era de noite e o Armindo teve que acender o petromax de ir à lampreia. Jogámos dominó até vir a luz outra vez. Para vos dizer a verdade, não me lembro bem quem ganhou nem como é que cheguei a casa e só estou a escrever hoje porque passei dois dias de ressaca que só consegui curar com um par de bagaços que bebi hoje de manhã. Agora que estou melhor e tenho televisão outra vez, quero ver se vou prestando atenção ao Milhazes, que ele é que sabe se foram os russos ou não, porque só ele é que sabe ler aqueles jornais soviéticos que mostra à hora de almoço.
Espero que o Almerindo tenha conseguido guardar as ovelhas.